Possibilidades para a formação docente no pós-pandemia: o que fica de tudo o que vivemos?

Possibilidades para a formação docente no pós-pandemia: o que fica de tudo o que vivemos?

27/09/2021

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Por Marília Dal Moro

Graduada em Pedagogia (UFRGS), Pós-graduada em Gestão da Educação (PUCRS) e Mestre em Educação (UFRGS). Orientadora pedagógica do Colégio Farroupilha e da Escola de Professores Inquietos, em que também é curadora.


Repensar a formação de professores na atualidade constitui-se em um processo cada vez mais necessário e, ao mesmo tempo, complexo e inspirador. Temos conversado com muitos professores que, desde o início da pandemia até o momento atual – em que ainda enfrentamos muitos desafios –  têm nos apresentado indícios de aprendizados importantes no contexto da docência e que podem apoiar a construção de modelos de formação continuada mais assertivos e potentes no futuro. Diante disso, percebe-se que a pandemia convocou os professores a repensarem suas práticas, mas ainda buscamos entender como essas provocações e reinvenções podem também sinalizar mudanças em nosso processo formativo. Nosso, porque não se trata somente dos professores, mas de todos os atores envolvidos com a educação das crianças e dos jovens que circulam em nossas instituições, engajando-se imensamente para manter viva a função essencial da escola e podendo se beneficiar das aprendizagens desse processo.  

O professor Antônio Nóvoa, em uma entrevista concedida para a revista Com Censo, em agosto de 2020, apresentou reflexões sobre a pandemia da COVID-19 e o futuro da Educação. As discussões sistematizadas por Nóvoa pontuaram alguns elementos fundamentais para refletirmos sobre os impactos que a pandemia tem gerado no universo educacional, principalmente no que se refere às práticas pedagógicas desenvolvidas em escolas e universidades. Um dos elementos abordados pelo autor são os movimentos colaborativos vivenciados pelos professores, sendo esses sinais extremamente relevantes sobre o futuro de nossa profissão. Para Nóvoa, a colaboração foi decisiva na busca por alternativas aos desafios enfrentados pelo sistema educacional, argumento que corrobora as experiências que presenciei enquanto orientadora pedagógica. 

Antes mesmo de Nóvoa traduzir esse movimento, escolas ao redor do mundo relatavam o quanto professores encontravam, uns nos outros, o apoio necessário para o aprendizado de novas tecnologias e para o redesenho de projetos e práticas, antes pensados de maneira menos compartilhada. Além disso, o apoio emocional entre os grupos de educadores é algo relatado por muitos como sendo, se não o mais significativo, um dos componentes decisivos para o enfrentamento do cenário pandêmico

Esse apoio deu-se também no que se refere ao uso das tecnologias digitais e às práticas pedagógicas promovidas no ensino remoto que compuseram a operação de um novo modelo, vivenciado em 2020, e que ainda repercute em nossas escolas, mesmo que muitas já tenham retornado à presencialidade. Professores e equipes pedagógicas protagonizaram a reestruturação de processos e práticas que mantiveram vivas as dinâmicas de ensino e aprendizagem. As escolas, mesmo que longe dos seus prédios físicos, transformaram-se em grandes centros de formação de professores, nos quais experienciamos o aprendizado permeado por práticas pedagógicas apoiadas em recursos tecnológicos na realidade cotidiana. Acompanhamos o movimento de docentes mais experientes na utilização desses recursos, por exemplo, intensamente engajados e dispostos a apoiarem os colegas e a multiplicarem seus conhecimentos, atuando como formadores em seus contextos. Nóvoa (2020) afirma ainda que “está muito claro que nada pode substituir a colaboração entre professores, cuja função não é aplicar tecnologias prontas ou didáticas apostiladas, mas assumir plenamente o seu papel de construtores do conhecimento e da pedagogia” (NÓVOA, 2020, p.9).

Nesse sentido, algumas inspirações mapeadas durante a pandemia podem servir de insumos para refletirmos sobre a qualificação dos processos formativos realizados em nossas escolas. Busquei sistematizá-las em quatro premissas: 

1) A primeira delas é, logicamente, o respeito e o incentivo de formações que convoquem a colaboração entre educadores. Promover espaços de trocas, compartilhamento de experiências, resolução de problemas e cocriação de soluções reforça os movimentos colaborativos vivenciados durante a pandemia, legitimando nossa posição de protagonistas das mudanças que tanto desejamos em nossas escolas.

2) A segunda premissa é a problematização e a reflexão constante dos desafios vividos no cotidiano escolar como pontos de partida e de chegada dos processos formativos. Percebemos, no contexto pandêmico, que cada nova situação-problema, ao ser compartilhada com os professores, pôde ser analisada e explorada pelo próprio grupo. Foram os professores e as equipes que cocriaram soluções; não houve resposta pronta, com exceção das desenhadas por cada pelos sujeitos do processo de ensino e aprendizagem, incluindo, diversas vezes, estudantes que também assumiram o papel de repensar a escola. Nesse sentido, provocar movimentos formativos que emergem das realidades cotidianas e das reais dificuldades vividas pelos professores parece-me outro ponto bastante importante para novas possibilidades de formação continuada futura. Sendo assim, reforça-se o fato de que tais práticas são organizadas pelos educadores, em seus contextos, com o apoio ou não de profissionais externos, problematizando e promovendo espaços de constante reflexão sobre as suas práticas. 

3) A terceira premissa destaca que as instituições de ensino estão repletas de profissionais com grande potencial e com experiências riquíssimas que podem inspirar e apoiar os demais educadores que nelas atuam ou, até mesmo, os que experienciam outras realidades. Dessa forma, os educadores vivenciam ora o papel de formandos, ora o papel de formadores. Reconhecer o que há de inovador e o que qualifica a aprendizagem em cada escola, identificando  e explorando projetos e práticas que já acontecem nas instituições, também nos parece elemento essencial para fazermos das escolas espaços potentes para o desenvolvimento profissional dos sujeitos que as constituem.  

4) Por fim, a quarta e última premissa refere-se ao tipo de experiência promovida aos educadores nos momentos formativos. Se já está claro para o campo educacional que os estudantes aprendem de forma mais qualificada com base na experiência, também nos parece importante reforçar essa lógica quando se trata de formar professores. A formação docente precisa também ser pautada em propostas práticas, aliadas a pesquisas e estudos teóricos, que permitam aos educadores uma formação vivencial, convocando-os a assumirem a posição dos estudantes que, posteriormente, eles encontrarão nas salas de aula. São habilidades docentes desenvolvidas por meio de uma abordagem ativa, que prioriza a vivência e a experimentação.

É importante destacar que esses movimentos não são exclusivamente oriundos das aprendizagens derivadas nas experiências da pandemia, pois muitos deles já são preconizados por estudos que envolvem formação docente. Ainda assim, entendemos que tais premissas reforçam algumas indicações e possibilidades importantes que, no cenário atual e futuro, podem ajudar professores e gestores na potencialização de seus processos formativos. Na perspectiva abordada, os professores compartilham os processos formativos em suas escolas, por meio de uma posição constantemente reflexiva, junto à gestão escolar e aos eventuais formadores externos. Nesses casos, a problematização de seus contextos é fonte de insumos para os temas e também propostas formativas. Promovem-se, ainda, espaços para reconhecimento e problematização de projetos e práticas pedagógicas já desenvolvidas nas instituições, nos quais professores compartilham suas práticas e atuam também como formadores dos pares. 

NÓVOA, A. A pandemia de Covid-19 e o futuro da Educação. Revista Com Censo. 22, volume 7. número 3. 2020. Disponível em: http://www.periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/905. Acesso em 28 jun. 2021.