Ciência desde a escola, por Marícia Ferri

Ciência desde a escola, por Marícia Ferri

22/01/2024

Artigo publicado no jornal Zero Hora em 20/01/2024.

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É sabido que os países considerados desenvolvidos investem massivamente na produção do conhecimento, ao fomentarem pesquisas científicas desenvolvidas não apenas em centros de investigação, mas sobremaneira nas universidades – a partir do trabalho de pesquisadores vinculados a seus programas de pós-graduação. Esse movimento, além de marcar a importante e necessária relação entre pesquisa, criatividade e inovação, denota o papel das instituições de ensino na geração e na transferência de tecnologia como produtos que servem não somente para o impulsionamento científico-tecnológico de uma nação, como também de sua própria economia.

 

Em que pese o fato de que grande parte da pesquisa científica seja realizada em instituições de ensino superior, o pensamento científico, por meio do desenvolvimento da curiosidade e do domínio da própria metodologia científica – o método científico, deve ser desenvolvido em etapa anterior. Nesse sentido, o papel da família, mas sobretudo o protagonismo da escola, são essenciais à experimentação e à experienciação associadas ao fazer ciência, materializando-se na acumulação de um capital no campo científico. Assim, seja no âmbito da aprendizagem informal, seja no da educação formal e não formal, eventos que permitam a inserção de crianças e jovens no universo da ciência são importantes não apenas para a formação de futuros cientistas, mas para a produção de subjetividades científicas, possibilitando que os estudantes sejam capazes, desde cedo, de produzir leituras da realidade embasadas nas metodologias dessa área do conhecimento.

 

Desse modo, a escola deve se destacar como a instituição que promove a construção do conhecimento científico e estimula a acumulação do capital em ciência. Nesse sentido, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – documento diretriz da educação brasileira – prevê, como competência essencial, o desenvolvimento do pensamento científico, crítico e criativo: o que leva a uma necessária mudança não apenas no planejamento docente, mas, de forma geral, na própria mentalidade das equipes pedagógicas e, portanto, em uma concepção de escola que necessita curricularizar as atividades pedagógicas relacionadas à educação nesse campo do conhecimento.

 

A ideia do fomento de um capital em ciência passa por muitos fatores. Um deles diz respeito exatamente às vivências que devem ser estimuladas em espaços científicos. Nesse sentido, é preciso considerar os diferentes congressos e feiras que buscam disseminar e qualificar dimensões da comunicação e da divulgação científica, contribuindo para a popularização da área. Além disso, é preciso tomar tais eventos como um estímulo à qualificação do próprio ensino de ciência nas escolas, com vistas a despertar o desejo dos estudantes em participar por meio da apresentação de seus projetos e trabalhos, a serem avaliados por profissionais competentes na área científica, seja no âmbito das ciências humanas, seja no das exatas.

 

No mês de dezembro, tivemos dois gaúchos que representaram o Brasil na World Innovative Science Project Olympiad (Wispo) 2023, na Indonésia. Esses jovens são alunos do Colégio Farroupilha e foram premiados no evento, tendo recebido a medalha de ouro na competição. O projeto consiste em uma pesquisa que relaciona o tratamento do câncer aos conhecimentos da física, mais especificamente, por intermédio de um acelerador de partículas. O trabalho iniciado na escola despertou o interesse de pesquisadores da área. 

 

Em outra ocasião, uma estudante de escola pública do Pará aproveitou a feira de ciências dessa instituição para dar início a um projeto social e sustentável, utilizando o açaí – um dos frutos mais populares daquela região – para fabricar tijolos e oferecer fundações seguras às casas que lá seriam construídas. A aluna foi premiada em várias feiras internacionais e, com suas descobertas, impactou a vida de muitas pessoas da sua cidade, inclusive de estudantes que tiveram a oportunidade de se inspirar na atitude da jovem paraense.

 

Além desses exemplos, poderiam ser citados outros projetos interessantes construídos por adolescentes e jovens todos os dias em nosso país, orientados por seus professores, responsáveis por manter acesa a chama da curiosidade em gerações futuras. É, nesses termos, que destaco também a importância da valorização dos – com cada vez maior risco de extinção –  cursos de licenciatura e nutro a esperança de que a formação de professores seja a tônica de uma política pública educacional inspirada na ideia de educar pela pesquisa. 

 

É esta, segundo minhas percepções, a combinação capaz de promover a excelência na educação brasileira: o incentivo à pesquisa em diferentes âmbitos e, principalmente, a instauração de um círculo virtuoso que faz com que professores curiosos e dedicados ao seu ofício desenvolvam estudantes também dedicados e comprometidos com o conhecimento.